terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Reportagem dia 17 de Dezembro @ Hard Club

Os Reys do Hardcore

Uma das noites mais frias do ano na cidade do Porto acabou por se tornar (muito provavelmente) na noite mais quente de 2010. Estranho? Só mesmo para quem não se deslocou à sala 1 do Hard Club na última sexta-feira, dia 17 de Dezembro.

As ruas da Invicta sopravam uma aragem realmente gélida, cortante até, nada convidativa a grandes voltas ao relento portanto. Se houve quem optasse pela recolha no respectivo lar, cedendo à calorosa (e reconfortante, admita-se) companhia da lareira, muitos foram aqueles que arriscaram uma ida ao Hard Club, sem que este necessitasse de emitir qualquer sinal de fogo. Na verdade, o cartaz continha nomes capazes de garantir um espectáculo fumegante do início ao fim, com promessa de um desfecho em labaredas, ou não fosse "Ante Up" a partícula do programa mais ansiada pela maioria da plateia e previsivelmente o momento mais marcante de toda a noite. Mas comecemos pelo... início.

Quando os ponteiros apontavam para a uma da manhã já SlimCutz riscava pratos e cuspia autênticos bafos cálidos pelas colunas que serviam como descongeladores dos corpos algo enregelados que entravam pela maior sala do Hard Club. A selecção musical escolhida pelo DJ de Monstro Robot foi mortífera, sacando sucessivas malhas que garantiam a satisfação geral. Contudo, com o ambiente ainda algo tépido, a dupla Each/Chek foi chamada a palco por Maze, o host do evento. O grupo portuense, sabido da importância do espaço e da própria noite festiva, esmerou-se por proporcionar ao público presente um serão animado. Foi notório da parte dos dois Mc's uma constante preocupação em contagiar a plateia com algumas das rimas mais puxadas de ambos. Os muitos admiradores de Enigma aderiram e vibraram bastantes vezes, o que indicia que saíram satisfeitos com a actuação de Each e Chek. Deixando de fora do alinhamento alguns dos temas mais conhecidos do seu repertório, o duo tocou faixas mais recentes, simulou um assalto de Chek à casa de Each e ainda convidou Kayn (Caixa Toráxica) e Asek a fazerem parte do show. Na hora de recolher ao backstage ficou a ideia de dever cumprido.

Seguiu-se um momento particularmente especial, tanto para os aficcionados de rap tripeiro como para o próprio interveniente dos minutos que se seguiram. Rey, MC bastante querido entre a massa adepta da Invicta, trocou por instantes os States para marcar presença nesta cerimónia no Hard Club. E foi assente numa bicicleta caracteristicamente norte-americana que Rey irrompeu pelo palco, para gáudio do povo. A expectativa quanto à performance do rapper era evidente, sobretudo pela longa ausência dos grandes palcos. Rey esteve descontraído, bem humorado q.b. e com um à vontade perante a plateia arrebatador. E não se pense que essa descontracção foi sinal de menos entrega, bem pelo contrário! O rapper de Gaia afastou qualquer pressão que pudesse sentir e fez da sua actuação uma verdadeira festa. Pegou em sons mais velhos para os desenferrujar, aproveitando também a estadia para colocar em práctica as suas últimas participações em trabalhos alheios, contando para isso com a ajuda de Birro e Rato 54. À postura acutilante, Rey fez-se valer de um discurso assertivo, com mensagens fortes e mostrando sempre uma fácil interacção com a plateia.

A dada altura pediu silêncio ao público (a quem ironicamente chamou de “chato”) para contar uma história. História essa que se desenrolou em modo acapella, bombeada pela sua “língua de veneno”. Para quem tinha saudades de Rey, o mínimo que se pode dizer é que a prestação do rapper foi contagiante, num regresso a uma casa onde actuou várias vezes (na outra margem do Rio Douro, obviamente). Para desfecho da performance, soltou-se o tema obrigatório para um regresso mais que perfeito: “Foda na Moda”. No palco surgiram os camaradas habituais de Rey, entre eles, Mundo, Ex-Peão, Ace, Birro, Boinas e Rato 54. A actuação de Rey mereceu justamente todos os aplausos que recolheu. Posto isto, não há como fugir ao trocadilho fácil: Rey foi... rei na noite de 17 de Dezembro.

Dono dos tempos mortos, DJ SlimCutz ia contemplando a plateia com uma série de clássicos que nem dava tempo para respirar fundo (pareciam bombas a cair no meio da multidão). O intervalo entre a saída de Rey e a entrada de Mundo Segundo foi um pouco mais prolongado devido a Deau. Ao contrário do previsto, o jovem rapper só actuou depois de Mundo e Rey, isto porque tanto ele como os americanos M.O.P. haviam constado na versão lisboeta do cartaz da mesma noite, o que os obrigou, naturalmente, a um esforço extra. Nada incomodado com isso, Mundo surgiu pouco depois das 3h30 para mais um show no Hard Club. Acompanhado (como é hábito) por Each, o MC dealemático com o currículo mais preenchido apresentou-se igual a si próprio, com a habitual comunicação com o público e os sons que todos conhecem na algibeira, intercalados com alguns temas novos. A presença de Rey na casa foi aproveitada para exercitar ao vivo a faixa conjunta pertencente à mixtape “Mike Phelps” - com Rato 54 também no grupo, o mesmo sucedendo-se com os sons “VNG” e “Rudes”. Foi um concerto em que Mundo esteve mais acompanhado do que nas suas últimas actuações, tendo a seu lado amigos de longa data do Segundo Piso, acabando numa acapella com rimas ao seu bom estilo.

Cerca de cinco horas depois do showcase em Lisboa e da (consequente) viagem de regresso ao Porto, Deau apresentou-se no antigo Mercado Ferreira Borges para uma sessão de improviso. Estabelecendo-se cada vez mais como um dos pesos pesados da improvisação em Portugal, Deau mostrou novamente argumentos que fomentam esse mesmo rótulo. Não foi uma sessão longa (não ultrapassou a meia-hora) mas a entrega do jovem rapper manteve-se linear com o que vem mostrando em cada show. Dêem-lhe um microfone, soltem um beat e o resto é com ele. Arguto como poucos, foram escassas as vezes que hesitou na rima, sinal de que se sente como peixe na água no improviso. Para surpresa dos presentes, os minutos finais foram guardados para novos temas que irão, ao que tudo indica, fazer parte do primeiro álbum a solo de Deau. Com mais ou menos fervor, a sua prestação foi positiva e bem correspondida pelo público. “Soube a pouco”, dirão alguns.

Pouco mais de dez minutos para as cinco da madrugada e entra DJ Laze E Laze para a mesa dos pratos. Afinada a maquinaria, Laze E Laze começa desde logo a disparar instrumentais de DJ Premier (a quem o duo Mash Out Posse deve muitas das suas batidas). A sala mantém-se praticamente cheia. Apesar disso, as primeiras palavras de incentivo do disck-jokey oficial de M.O.P. não têm a resposta esperada. Poucos minutos depois solta-se “Cold As Ice” e avista-se a dupla de MC’s mais desejada da noite. Ao contrário do título do tema, Billy Danze e Lil’Fame (com a bandeira das quinas na cabeça) são presenteados com uma calorosa recepção e a faixa caiu como lume num rastilho que incendiou uma plateia nada preocupada com o aumento dos graus Celsius no espaço (houve mesmo quem sentisse no corpo a falta de tensão).

Qualquer descrição do concerto dos M.O.P. neste texto poderá ser escassa tendo em conta o que verdadeiramente se viveu naquela sala! Momentos de pura loucura, de histerismo, de prazer e satisfação absoluto! A entrega do duo foi sublime, assim como a correspondência da plateia, num diálogo que se pode considerar perfeito para qualquer artista. Os sons foram-se desenrolando, tendo sido percorrida a rica discografia do grupo de Nova Iorque e os sons mais célebres da mesma, intercalados por alguns hits de outros artistas como Jay-Z ou Bob Marley. Tal como se disse atrás, a comunicação dos M.O.P. foi exemplar, puxando recorrentemente pelo público, brincando com este, mas não deixando porém de transmitir algumas opiniões sérias acerca do Hip Hop e dos problemas gerais do Mundo. George Bush teve direito a ser “mimado” em uníssono, assim como DJ Premier e Guru. Depressa se ouviu a faixa “Who Got Gunz”, seguida de “Calm Down”. A pedido dos emcees ergueram-se dezenas de isqueiros para a passagem fervorosa de “Fire”.

As músicas de M.O.P. são duras e o estilo é mesmo hardcore. Os beats, esses, parecem morteiros carregados de granadas que incendeiam qualquer sistema sonoro. E foi isso que se sucedeu no Hard Club. Uma noite inflamada por dois respeitados rappers americanos que mesmo com uma performance poucas horas antes na capital conseguiram contagiar toda uma plateia e implementar um verdadeiro clima de festa. Como complemento, DJ Laze E Laze largou a sua mesa, pegou no mic e fez-se um mestre de cerimónias improvisado, encarnando outros artistas como Fat Joe, Busta Rhymes ou até mesmo Eve. Com o espectáculo ao rubro já se fazia a contagem decrescente para a malha das malhas, o beat dos beats, o final de todos os finais. "Ante Up" acordou perto das 6h da matina com o público ainda bem desperto e com a pujança suficiente para instalar um verdadeiro pandemónio na sala com epicentro na frente do palco. Impressionante!! Parecia que o fim do mundo tinha chegado com dois anos de antecedência! Um desfecho impetuoso mas nada que ninguém não esperasse. Já depois das actuações, DJ D-One encarregou-se da música até ao fecho das portas.

A última grande festa do ano de Hip Hop no Porto pode muito bem reclamar para si todos os holofotes pois foi responsável pelo momento de maior clímax dos últimos anos! "Ante Up" e todo o resto do concerto de M.O.P. será por certo recordado por muito tempo. Billy Danze e Lil' Fame chegaram sobrecarregados com a actuação de Lisboa mas no Hard Club ninguém deu por isso. A atitude e entrega de ambos não merece o mínimo reparo e o alinhamento foi programado de forma a manter o entusiasmo elevado. Esta passagem de M.O.P. por Portugal foi um marco de relevo no que a concertos diz respeito. Para início de espectáculo, os Enigma estiveram certinhos e não claudicaram. Rey foi imperial no mic, patrão no palco e líder das actuações nacionais. Mundo manteve as hostes sintonizadas e quentes, já Deau exercitou o improviso a meias com a apresentação de novos sons. Luzes apagadas e trancas à porta, que 2011 traga muitas noites de Hip Hop como a de 17 de Dezembro de 2010.

10 comentários:

  1. O Rey é bom demais pessoal!!

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  2. para quem lá esteve e depois lê isto só pode dizer WORD!!!

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  3. Já foi corrigido, obrigado. Foi um mero erro, nada mais do que isso.


    Obrigado Spliff e Jorge pelos comentários. No geral estiveram todos bem. Foi sem dúvida uma noite agradável.

    Cumps!

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  4. Poucas mais do que as que aí estão.


    Cumps!

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  5. Parabéns pelas reportagens !
    Belo trabalho team.
    RESPECT

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  6. Thanks Mário!


    Respect para ti também,
    Aquele abraço! ;)

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  7. Desculpem esta subtil invasão...
    Venho dar-vos os parabéns pelo blog, tem uma forma própria de abordar a atmosfera do hiphop (em geral). Grandes apreciações, dá vontade de entrar e ver/ouvir. Mas não pude deixar de reparar, manos... estava a espera, sinceramente, de ver o nome de um dos melhores rappers portugueses (sem sombra de dúvida) na vossa lista tão extensa e até mesmo "minuciosa". É o Virtus. Acho eu... não falta muito para o que eu disse ser literalmente sublinhado. Eu sei que vai chegar. Se não ficarem atentos, tenho a certeza que tambem nao vos irá passar despercebido. é que quem sabe fazer Rap... e hoje em dia (em qualquer canto do mundo)... é o mínimo que posso dizer. tinha de dizer, há anos que me desconhecia assim.
    De um grande admirador. Melhor... apreciador.

    Prop´s para voces

    Filipe

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  8. Filipe, antes de mais, desculpa a resposta demorada, mas obrigado pelo teu comentário.

    Quanto ao Virtus, conhecemos, de facto, secalhar não tem sido mencionado por aqui por ter ainda poucas participações, e as que teve terão sido em projectos que nos passaram um pouco ao lado, será devido a isso. De qualquer maneira, haverá sempre alguém atento e disposto a mostrar a devida admiração. ;)

    Cumprimentos!

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