domingo, 4 de setembro de 2011

O.D.E. - Odisseia, A Partida (crítica)



Há uma primeira vez para tudo, assim com tudo tem um fim, um propósito. O início da epopeia rimática de O.D.E. chama-se “Odisseia, A Partida” e o seu objectivo é muito simples: incorporar nos ouvidos de quem se preste a escutá-los a essência duma cultura que muitos dizem estar morta ou moribunda ou completamente adulterada nos seus princípios, o Hip Hop.

Vila Real é o ponto nevrálgico da mecânica criativa deste colectivo. O.D.E. caracteriza-se por tatuar nos seus temas um amor incondicional ao Hip Hop. Representam bem aquilo que deveria ser a cultura: a miscelânea de ritmos (muito bom gosto na escolha dos instrumentais), a consciência em cada letra que se cola ao beat, a apologia da paz, o espírito revolucionário e contestatário, a exigência do pensamento, a negação do supérfluo. Encarnam bem o papel de ressuscitadores do bom velho estilo do rap. Até na forma de rimar parece-me que recuperam um modo velha escola de debitar os versos, sem grandes vaidades técnicas.

O rap presente nesta mixtape é bastante humano, terreno (mas com direito a sonhos, claro), preocupado com a fragilidade das pessoas mas francamente positivo no acreditar que o mundo pode ser um lugar bem melhor e que existe gente muito boa a lutar por ele. O.D.E. presta tributo aos homens e mulheres de bem, afirmando a necessidade de se agir e de pautarmos a nossa vida através de altos valores.

“Tudo deste todo” é provavelmente o meu som preferido de «Odisseia, A Partida», contando com a bonita voz de Lúcia Pereira, que caiu como mel na tosta que é aquela batida.

“Odelogia” é aquele dedo na ferida que muitos rappers não sentirão porque são demasiado quadrados para ouvir este som. Aqui o rap é feito por adultos que pensam pela própria cabeça, que têm as ideias no lugar e que medem bem as palavras que debitam: «rappers dizem mais merda que no parlamento». Nem mais!

Nem tudo é perfeito nesta mixtape, é normal que assim aconteça numa primeira vez. Há temas algo longos e com um ou outro assunto que torna difícil prender a atenção, mas uma mixtape é frequentemente um laboratório experimental que incentiva o arriscar e quem escuta não pode ser demasiado exigente como no caso dum álbum. Fora isso, este foi um dos trabalhos que mais prazer me deu ouvir nos últimos tempos por recuperar a tal mística da velha escola e onde o amor por esta cultura é aqui tão vincado, apresentando-se tão inocente, tão puro, tão verdadeiro. Curiosamente esta mixtape apanhou-me numa altura em que me sentia (ainda sinto) algo zangado com estado do rap que se faz em Portugal e numa fase em que menos me apetecia ouvi-lo. É pena que esta mixtape passe ao lado da maior parte dos ouvintes, ou seja, que seja magra em audições porque em conteúdo ela é muito mais gorda do que aqueles que andam sempre com a gordura na boca e no ego e em mais lado nenhum. Como pode o Hip Hop estar morto se ele afinal vive tão intensamente em O.D.E.?!

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