sexta-feira, 7 de maio de 2010

Entrevista com Mind da Gap

Ainda não se passaram quinze dias desde que Mind da Gap editou a sua mais recente pedrada musical, intitulada "A Essência", e já corre a ideia generalizada do grande regresso do grupo. Com um vasto historial de sucessos e com uma decisiva preponderância no rap feito em Portugal, Mind da Gap aflora temáticas pertinentes, levanta bem alto a bandeira do Hip Hop, expande a sua própria discografia para um outro nível. O HIPHOPulsação teve a feliz oportunidade de colocar umas questões ao grupo e as respostas não desiludiram. Ace, Presto e Serial a provarem porque continuam essenciais neste Hip Hop que é o corpo e a alma deles.

1- Afinal, o que é estar “sintonizado no modo alternativo”?

MDG- É viver numa sintonia diferente daquela em que é suposto estarmos todos, ou daquela em que gostariam que estivéssemos. É seres verdadeiro - contigo e com os outros, teres espírito crítico e não engolires tudo o que te “dão a comer”, lutares por aquilo em que acreditas, fazeres aquilo que sentes que deves fazer, ter vontade de ser feliz e estar preparado para fazer o que for preciso para isso acontecer, não seguires o estado de espírito geral do “rebanho”, não viver no medo, alimentar o rebelde que há em ti com informação fora dos esquemas de controlo. No fundo, seres fiel a ti mesmo e às tuas convicções.

2- Existe um traço sublinhado a grosso neste vosso disco relativamente ao mal-estar social. Acreditam, tal como Camões, que «um rei fraco faz fraca a forte gente»?

MDG- Sem sombra de dúvida. Pior do que isso, diríamos “um rei actor faz pouco inteligente e amorfa a forte gente”. A política em Portugal parece uma “filial” de Hollywood. E enquanto tu, quando vais ver um filme ao cinema, se não gostares do mesmo, podes sempre levantar-te e ir embora, aqui o “público” parece estar amarrado às cadeiras. Faz-nos pensar naquela frase de “estar à beira do abismo e dar um passo em frente”- todos os dias são assim no nosso jardim à beira mar plantado.

3- São cada vez mais os elogios feitos ao rap português. Todavia, o que é que lhe falta para que vingue em pleno na música nacional?

MDG- Não sei bem o que é o “vingar em pleno na música nacional”. Acredito que o rap português avançou muito a todos os níveis desde o nosso começo até agora. Mas não nos podemos alhear do facto de que o mercado musical caiu muito nos últimos anos e ao rap português quase não foi deixado espaço para além da “barreira do download ilegal”. Hoje em dia, quem vinga (vou considerar o “vingar” como um sinónimo de popularidade e vendas) na música são quase exclusivamente os produtos feitos para grande consumo, a versão musical do fast-food - e nesse sentido, talvez até seja positivo o não vingarmos, é quase um sinónimo de qualidade esse “selo” do não vingar.

4- Sonhar é um dos pressupostos da arte. Que sonhos tem Mind da Gap?

MDG- Boa pergunta… Acho que podemos resumir os sonhos todos a um estado de espírito global muito diferente daquele que temos hoje em dia. Se o mundo fosse um “sítio” completamente diferente, os sonhos de todos eram possíveis de concretizar. Um mundo menos “cerebral”, menos centrado no capital e no lucro, com menos ganância, menos corrupção, menos injustiças, menos preconceitos. Uma frequência mais espiritual, mais livre (realmente livre), com mais espaço para a realização individual de todos, com mais verdade, honra, respeito - este seria um mundo onde os sonhos de todos podiam ser realizados. Mas este não é o mundo que temos, não é o mundo para o qual nos condicionam, não é o mundo para o qual estamos preparados.

5- Espalham por todo o álbum um celestial amor pela cultura Hip Hop. Ainda se lembram quando e como se apaixonaram pelo movimento, quando aconteceu aquele clique?

MDG- Como se fosse hoje. Coincidentemente, ou não (depende daquilo em que cada um acreditar) tivemos experiências bastante semelhantes e fomos “apresentados” à cultura na mesma altura e, como hoje se percebe, bateu-nos de forma igualmente avassaladora. Tivemos os 3 o contacto inicial com as primeiras batidas na altura do breakdance, mas só mais tarde percebemos os 3 que este ia ser o nosso caminho. Os Public Enemy com “It takes a nation of millions to hold us back” (1988) e os De La Soul com o seu primeiro álbum “3 feet high and rising” (1989) foram os responsáveis pelo clique, sem dúvida, para os 3. Esses álbuns amarraram-nos a isto para sempre.

6- “Não Pára” é uma das faixas mais fortes do disco. Encontram explicação para se dizer tão insistentemente que o Hip Hop está morto?

MDG- Suspeitamos que sim… A verdade é que morto, morto, não está “somos a prova disso, vivos”. Mas que está longe de ser aquilo que já foi e que possivelmente poderia ser, está. E percebemos que alguém possa dizer que o hip hop está morto para provocar uma reacção em quem faz e em quem ouve rap e vive o hip hop. Hoje em dia tornou-se muito fácil fazer música - mais ainda (supostamente) se for Rap - e principalmente na América, o rap é uma saída profissional como outra qualquer, um bilhete de saída do gueto e/ou do negócio do tráfico ou outras actividades ilícitas. Por isso mesmo, o meio hip hop está inundado de música de fraca qualidade, baixo teor de conteúdo e praticada por pessoas sem o mínimo talento, interesse, cultura ou conhecimento, cujo único objectivo é ganhar muito dinheiro para poderem dar azo às suas ânsias e vaidades. Não queremos com isto dizer que o hip hop deva ser reservado para uma elite de bom gosto musical (e interesse, cultura e conhecimento, etc). O hip hop quer-se pluricultural, multirracial, universal. Mas pode ser tudo isto com bom gosto, com interesse, com um sentido de existência menos fútil, menos oco, menos plástico, menos formulaico. E não tem sido - e talvez seja por isso que haja quem afirma que o hip hop está morto.

7- Como é que Mind da Gap vê a relação Internet / Hip Hop português?

MDG- Mal e bem. Bem pelo lado do público, porque sabemos que nem toda a gente tem possibilidade de comprar CDs ao preço que a indústria e o Estado insistem em vendê-los e a internet é o meio que essas pessoas têm de ter acesso à música que querem ouvir. Mal, porque sabemos que a maior parte das pessoas (jovens) não tem a mínima consciência do mal que pode estar a causar a um artista (ou grupo) ao descarregar o seu CD. Há despesas envolvidas no processo de lançamento de um CD - antes e depois de ele sair para a rua - e elas têm de ser pagas, as editoras não são instituições de caridade ou beneficiência e para quem faz edições de autor é ainda mais grave porque essas despesas saem do “bolso” de quem resolveu apostar em si mesmo. Mas para nós, os reais responsáveis desta situação, são os únicos de que nunca ninguém fala - isto é muito mais do que uma relação músico/público - as empresas que fornecem acesso à internet, lucram bastante com os downloads ilegais - que os próprios encorajam e publicitam - e ninguém tem coragem para os obrigar a pagar uma taxa que seja distribuída pelos autores que são pilhados de forma aberta e com conhecimento e conivência dessas empresas.

8- “Injecto misticismo na visão da cidade”, refere Ace. Sendo Mind da Gap um grupo embaixador da cidade do Porto e orgulhoso das suas raízes, como vêem estes anos de governação de Rui Rio?

MDG- Em termos culturais, que é a parte à qual estamos mais atentos, esta presidência de câmara tem sido muito fraca. Numa cidade com um Rio D’ouro, temos uma governação por um Rio muito pobre.

9- A fechar, em Portugal, o que vos inspira para fazer arte?

MDG- Em primeiro lugar, a nossa sincera vontade de o fazer. Depois, em Portugal, assim como no resto do mundo, não falta inspiração. Positiva e infelizmente, menos positiva. De certa forma, tudo pode ser inspiração, tudo o que nos rodeia. Talvez essa inspiração não nos apareça, na maior parte das vezes, de forma absolutamente consciente, de maneira a conseguirmos materializá-la de imediato. Mas há coisas que ficam gravadas algures nos nossos cérebros e na altura de criar, quando são necessárias, saem em forma de letras e/ou instrumentais.

Por: Druco e Sempei
Fotos: André Tentúgal
O HIPHOPulsação agradece a Mind da Gap e à editora Meifumado por terem tornado possível esta entrevista.

6 comentários:

  1. Grande entrevista! Mind da Gap são um dos grandes expoentes do Porto e do Norte de Portugal...

    Parabéns pela entrevista aos grandes amigos Druco e Sempei :)

    Abraços ao Ace :)

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  2. parabéns pela entrevista, conseguiram focar alguns pontos fulcrais do que se está a passar no nosso país e no nosso hip hop..
    e o movimento "não pára"!

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  3. Obrigado aos dois. O grande sumo da entrevista está nas excelentes respostas recebidas ;)

    Abraços!

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  4. Sempre souberm responder da forma mais inteligente e madura.
    Muito bom.


    parabéns!

    Ana

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  5. Parabéns!

    Focaram pontos importantes e as respostas foram incisivas e conscientes!

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