Fomos até à mítica terra do Galo – Barcelos – para vivenciarmos a experiência de um evento que vai na sua terceira edição: Festival «Às 3 Pancadas». Esta cerimónia dirigida aos entusiastas do Hip Hop contemplava sessões de batalha nas modalidades de Beatbox e Mcing, para além de concertos de gente conceituada. Quando chegámos a Barcelos, na noite de Sexta, o relógio ainda não tinha badalado as 23 horas. Numa espécie de antigo anfiteatro grego, DJ Casca fazia circular discos de rap clássico ao mesmo tempo que mostrava toda a sua técnica ao público que ia chegando e se distribuía pelo imenso espaço que subia a pique para quem estivesse em palco.
Pode afirmar-se que no início do espectáculo estava um bom número de pessoas a engrandecer o evento, tendo em conta a imensidão do espaço – ao ar livre e na zona ribeirinha – e contando também com a dimensão da cena Hip Hop barcelense que, apesar de dar mostras de estar em crescimento, está naturalmente ainda longe do enraizamento da cultura nos grandes centros urbanos. No entanto, viu-se público muito jovem, maioritariamente sub-21, pelo que o futuro do movimento deverá estar garantido naquelas terras.
Vamos ao que interessa. Primeiro, a batalha de Beatbox que abriu o festival. Pese embora o atraso do início das actividades, o público aguentou bem e estava com água na boca para o que poderia acontecer. Algumas caras conhecidas do Beatbox nacional, que até já figuraram em programas de TV, foram a concurso e previa-se que a luta talvez fosse desigual a favor destes. Nada mais errado! As exibições e as batalhas de Beatbox revelaram uma super qualidade e um super equilíbrio que, confessamos, muito nos surpreendeu. Terá sido custoso para o júri composto por Woyza, Mundo Segundo e Rui Miguel Abreu nomear aqueles que mereciam seguir em frente. Impossível decorar todos os nomes que participaram (inclusive o júri teve essa dificuldade, já que a organização não providenciou atempadamente o nome, que por vezes era nickname, o que suscitou alguma confusão e demora). Os apresentadores de serviço engonharam muito e não permitiram uma boa fluência do show dos beatboxers, havendo muitas quebras. Após as exibições dos concorrentes, o júri escolheu os melhores para a final (a realizar no dia seguinte) e que nos pareceu ter sido uma decisão correcta e justa, apesar de ter sido certamente árduo decidir. Passaram à final Fubu, Pedro Alexandre, Rizumik, Beats, Robinho e Vítor Hugo. Portanto, nota bastante alta para o Beatbox que teve momentos de grande criatividade, técnica, potência e sobretudo muito equilíbrio.
Seguia-se a batalha de MC’s. Talvez esta gerasse a maior das expectativas. Todos pretendiam destronar o campeão Zeka e sabe-se que na hora de afiar as palavras as coisas podem aquecer muito. Com os candidatos perfilados e apresentados, notava-se a grande jovialidade da maior parte. Ou teríamos ali grandes promessas ou gente com bastante caminho para percorrer. Confirmou-se o segundo caso. Nem a boa prestação de abertura a cargo de Zeka fez com que os outros candidatos se inspirassem e tivessem o seu golpe de asa, esmerando-se na qualidade das palavras debitadas. Com excepção do referido Zeka e de Cálculo, todos os outros candidatos apresentaram-se num patamar bastante fraco. Houve uma batalha em que não sabíamos se havíamos de chorar ou rir com o absurdo do que foi dito! A imaturidade, com excepção de Zeka (ou Zekinha), resvalou para o puro insulto, para a pobreza de vocabulário, para o mero vernáculo e questionamentos de cariz sexual. Foi uma desilusão o nível da batalha de MCing. Previa-se que Zekinha na final não teria dificuldades em ganhá-la.
Já passava das duas horas da manhã, o frio começava a querer estalar os ossos, algumas pessoas debandaram mas ainda havia Woyza e Sagas. A viguense subiu ao palco e pronto: os corações aqueceram, esqueceu-se o frio e partilhou-se o enamoramento desta artista espanhola com o público português. Com uma tribo de indefectíveis a cantar em conjunto com Woyza, esta mostrou-se encantada. Percorrendo os sons do seu último disco, entregou-se com toda a alma possível, deu o seu calor aos presentes e estes retribuíram na mesma moeda. Destaque para a aparição de El Puto Coke que entrou com um freestyle (?) de arrepiar! Muito bom. Woyza esteve igual a si mesma: encantadora na música, afável no trato, espalhando simpatia e admiração por Barcelos.
Após mais ou menos uma hora de concerto de Woyza, Sagas ainda tinha de actuar. Cada vez havia menos público no recinto. O que se compreendia, devido ao clima gélido (relembramos que era ao ar livre) e a hora também já era das mais adiantadas. No entanto, aquelas pessoas que ficaram entregaram-se completamente ao concerto de Sagas e à sua energia. Primeiro, DJ Nel’Assassin desbundou como só ele sabe, a solo, e depois sim Sagas entrou com grande humildade, soube juntar as pessoas e fez um final de festa bem quente como não se pensava que ainda pudesse ser feito. Para isso, contribuiu o leque de temas escolhidos, alguns mais antigos, outros que fez com Nel’Assassin, relembrou Micro e na companhia de mais dois elementos que se juntaram nos batuques e na voz prendeu as pessoas com as boas vibrações difundidas, naquela mistura de português e crioulo e de vários sabores musicais. Certamente que todos os que esperaram pelo concerto de Sagas não se arrependeram.
Em suma, uma boa noite de Hip Hop, com dois grandes concertos, com muitas revelações ao nível do beatbox, com a constatação da fragilidade de muitos MC’s que estão ainda a gatinhar na competição de batalha (esteve-se ali muito distante duma «Liga dos MC’s» brasileira, por exemplo) e alguns reparos para a organização pelo atraso e fraca desenvoltura que deu principalmente na batalha de Beatbox, pois impossibilitou que houvesse maior dinâmica, interesse e ânimo do público.
Cinco e trinta da matina, chegada finalmente à Invicta. No dia seguinte, haveria mais Barcelos para galgar, desfrutar e narrar.
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