quarta-feira, 9 de setembro de 2009

SimpLe - Um 1/7 Sétimo Mixtape (Crítica)

SimpLe é um nome que paulatinamente vai sendo mais proferido por todos os que gostam de rap português. A primeira vez que ouvi falar dele foi através do Sempei. Finalmente, dediquei-me a uma audição atenta a fim de avalizar o trabalho deste mestre de cerimónias proveniente de Leça da Palmeira. Em boa hora o fiz, acrescento. SimpLe não é propriamente um novato na cena Hip Hop. Pelo contrário, já está nestas andanças há, pelo menos, 10 anos (deu o seu primeiro concerto em 17/12/1999 com um cachet de 1000 escudos!). Primeiro no breakdance, depois no mcing, SimpLe é um indivíduo profundamente marcado por esta cultura. Para se retirar essa ilação, basta ouvir “Um 1/7 Sétimo Mixtape”.

Em todo o trabalho, SimpLe demonstra qualidade técnica. Quer ao nível das letras, quer no que se refere ao seu flow, que caracterizaria como rasgadinho. O trabalho do leceiro exemplifica que a qualidade não cai do céu e nota-se, à medida que se escuta “Um 1/7 Sétimo Mixtape”, uma maturidade, experiência e um à vontade que só se adquirem com anos de prática. SimpLe dá-nos uma prova de consistência também. Rima com total paixão pela cultura Hip Hop. Destacaria ainda a mais-valia de SimpLe no que toca à construção de bons refrãos.

“Sintoniza no Canal” entra-nos como uma bala pelos ouvidos! SimpLe ataca os ouvintes com um super flow técnico e rápido, mais parecendo um sniper munido com uma arma de tecnologia de ponta. «Sentimento envolvido nesta cena musical/ Rimas e batidas em sintonia total», diz. E é assim. SimpLe passeia seguro em cima da batida, foca os temas que lhe apetece, pisca o olho às aliterações, enquanto está perfeitamente cómodo com o flow. Se por um lado, SimpLe ambiciona manipular o “som que traz o vento de mudança”, por outro, sabe que há realidades que não se alteram como a observação que faz acerca da ilusão que se apodera da juventude e que despoleta uma pose de Hollywood nalguns. Mas ficam as suas palavras gravadas na pedra: “sou rapper trago uma dica correcta” e não há cura para a pura loucura da minha rima, adianta.

Chegamos a “Vintage”. Neste apeadeiro, temos oportunidade de apanhar o comboio memorial de SimpLe, onde em curtos mas apaixonantes 4m21s fazemos a viagem do nosso protagonista na linha do Hip Hop. Em trechos de afectos e emoções pelo Hip Hop, SimpLe não prescinde da sua fluência verbal cortante, que primeiro pode estranhar-se mas que depois viciantemente se entranha nos nossos ouvidos (o criador dum certo slogan da Coca-Cola não diria melhor!). SimpLe certifica-se que captaremos com sucesso a sua mensagem de verdadeiro guardião desta cultura. Ora vejam se vos é difícil entender estes versos: “Aqui não rola 50, aqui não rola Beyoncé/ Aqui rola Velha Escola e beats do Premier”. Gostaram da visita de estudo?

Agora, vou fazer batota e avanço até à faixa 6 só para ter a oportunidade de relacionar o fim do parágrafo anterior com este. Cá vai: por falar em visita de estudo e já que isso se relaciona com a escola, que tal debatermos a sério, ou seja, sem Ministra da Educação, o estado da instrução hiphopiana? Embora fazer isso. “Velha Escola” é uma das mais belas e inteligentes odes que eu me lembro de ouvir em língua portuguesa aos mais antigos activistas desta cultura! SimpLe faz uma evidente mas magistral comparação da situação dos hiphoppers mais antigos com a de um físico edifício educativo de uso desgastado. Tal como esse monte de betão obsoleto, também as condições para a prática do Hip Hop não eram as mais favoráveis outrora. Porém, as lições aconteciam graças ao entusiasmo, boa vontade e puro amor de todos pela cultura. Os quatro cursos ministrados – mcing, djing, breakdance, graffiti - não tinham a aprovação do Ministério da Educação, é certo, mas tinham a vantagem de estarem isentos do pagamento de escandalosas propinas e de bucrocacia, estando somente à mercê de quem os quisesse cursar. E nem a inexistência de férias, fazia recuar os alunos. SimpLe relata-nos que frequentou o breakdance antes de se inscrever no mcing, num tom manifestamente emocionado. Agravado até pela inevitabilidade da “Velha Escola” ter de fechar as suas portas e dar lugar a novas instalações. Aconteceu, por via desse facto, uma “mudança radical no movimento estudantil”, que levou a que SimpLe recusasse a matrícula no novo estabelecimento de ensino. Causas para essa decisão: “A tradição já não é o que era”. No entanto, ninguém lhe tira “as recordações da Velha Escola”. Muito bom!

“Sigo a minha vida” é uma boa forma de SimpLe não se amargurar em demasia com memórias pertencentes à areia que já correu pela ampulheta. Precalços todos enfrentamos e há algures um momento em que provamos o fel da injustiça da vida. Estamos todos na mesma encruzilhada: “Presos num mundo que não dá nada a ninguém”, sintetiza SimpLe. Ele não espera nada de mão beijada e, por isso, mostra o seu empenhamento ao engajar-se nas lutas que lhe trarão a abundância: “Não aprendi a roubar, não aprendi a mentir/ Aprendi a batalhar, aprendi a sorrir”. Estes versos deviam servir de guia para muitos jovens que vivem com ideias deturpadas na cabeça, o que lhes trará amargos de boca no futuro garantidamente. Apesar do exemplo que nos oferta, SimpLe confessa que nem sempre seguiu a cartilha da moral e bons costumes. Reconhece que errou mas esforçou-se por se redimir. O nascimento da sua filha, por certo, apressou esse desejo de remissão.

Normalmente, decidimos que é no primeiro dia do novo ano que trataremos da espinhosa missão de nos tornarmos pessoas melhores. Mas quase sempre as folhas do calendário levam consigo, à medida que avançam, muitos dos projectos que havíamos delineado. SimpLe partilha connosco um caso de mudança radical, que nos é descrita em “Ano Novo”. Ele viu-se numa situação inédita a determinado momento. Não estava, como usual, a festejar na rua a passagem de ano. Tudo porque a responsabilidade chamou-o à pedra e SimpLesmente teve de abrir mão das “maluqueiras” nocturnas e festivas mas por uma nobilíssima causa: o nascimento da sua filha. O motivo que a vida deu a SimpLe para transformar para melhor a sua existência neste mundo. Ainda que sinta a nostalgia do espírito livre de jovem sem responsabilidades, tem plena consciência de que para tudo há um tempo próprio, o que revela a maturidade que se incorporou nele. A vida tantas vezes não corre como queremos, mas temos sempre de encarar com o dobro das forças o que nos aparece à frente. E SimpLe parte à conquista. A saudade de outros tempos pode cortar “como lâminas” mas ele sabe que o novo rumo que tomou é o melhor para ele. Se o melhor do mundo são as crianças, SimpLe é um afortunado por ter mudado a sua vida graças a uma!



Ressaltam em “Um 1/7 Sétimo Mixtape” dois grandes amores na vida de SimpLe: a família e o Hip Hop. Escuta-se dele um jubilo pelo nascimento da sua filha mas também nos deparamos com o respeito e gratidão que tem pelos seus pais. Ao longo desta viagem pelo mundo musical de SimpLe, o Hip Hop tem, como não podia deixar de ser, lugar cativo. Mas há uma certa descrença pelo futuro da cultura em SimpLe. Daí que não se estranhe que tenha criado um tema como “Dreads”. E o que são ou quem são estes dreads, segundo SimpLe? São aqueles que vivem o Hip Hop trocando a última letra de “modo” por um “a”, o que perfaz “moda” e não a tal filosofia de vida. São os que se adornam de bijuteria, investem no aparato e na aparência enquanto interiormente se sente o eco pelo vazio de conhecimento sobre a cultura. Não resisto a esta comparação enumerada por SimpLe: se não querem ser uma decepção como o Ricardo na baliza da Selecção portuguesa, então não peguem no microfone sem antes terem treinado muito. E Deus vos livre de terem uma voz como a do Ricardo, acrescento eu! O refrão criado para esta faixa é mais uma prova da qualidade de SimpLe, que encanta pela habilidade, destreza e naturalidade. Tão surpreendente como contagiante. SimpLe aponta o dedo aos que não mostram humildade e trazem um trabalho sem chama, pouco galvanizador. O mc de Leça da Palmeira esmaga o discurso dos “reais e verdadeiros” com um mordaz «calados dizem tudo»! E para os que procuram a fama mais do que a arte, SimpLe apela para que se tenha cuidado com o que se deseja e lembra a triste e delicada situação de... Zé Maria: “Fama sem reconhecimento é como o Big Bro(ther)/ Vai ter com o Zé Maria e pergunta-lhe como acabou”. Para quem não sabe, Zé Maria tem padecido de vários problemas psicológicos e psiquiátricos, tendo já tentado o suicídio! Já para não se referir os que querem fama e só têm difamação, como muito bem diz o outro!

Chegamos ao fim deste capítulo de SimpLe. “Um 1/7 Sétimo Mixtape” é um trabalho que surpreende a cada audição. Marcadamente autobiográfica, como é norma no rap, a linha de SimpLe agrada igualmente pela homenagem aos antigos hiphoppers, pela honestidade de cada palavra cuspida, pelo tacto com que trata o Hip Hop, pela qualidade que revela na diversidade da fluência verbal, pela experiência que transmite. SimpLe soube ser paciente. Semeou, cuidou, estudou as outras colheitas, aferiu o tempo, até lançar as mãos à terra e mostrar aos outros o seu produto. Fez-se acompanhar por DJ SlimCutz, que arranhou de forma exímia em toda a mixtape, o que ajudou a elevar a qualidade deste trabalho. «Sente a complexidade da simplicidade, com sonoridade na identidade, com habilidade, naturalidade, criatividade nata sem data de validade», eis o modo de SimpLe, expresso em “Dreads”. Para fechar, em “Vintage” deixa a sugestão: «Não percas o próximo episódio». Garantidamente não perderemos!

7 comentários:

  1. Muito bom... Curti totil a critica, Simple continua ai a varrer feira =)... da-lhe forte moço, sabes bem ;)

    "Não sou filho de gente rica nem filho de gente pobre. Sou filho de gente honesta e de coraçao nobre " :D

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  2. SimpLe está muito forte! Uma grande surpresa para mim.

    Valeu pelo teu comentário, Vitela! :)

    Cumprimentos.

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  3. SimPlE ReINa na areA.....como todos sabemos...ele merece oportunidade....

    MoNtAnHEzZy......

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  4. Hora bem,grande critica...grande simple..curti bravo!conheçemos o teu potençial....tamos juntos!go for it! Meg4

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  5. O SIMPLE É MT BOM!!!!

    DOS POUCOS VERDADEIROS K ANDAM AÍ!!

    O RESTO É MERDA, DA BOA, MAS É MERDA!!

    FORÇA SIMPLE!!!

    TIAGO PINTO

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  6. Muito boa critica. Não conhecia Simple até o ver ao vivo no Pin-Up e apartir daí fiquei fã. Grande flow, rimas e em palco parte tudo!!

    Muitos parabéns ao Simple e a ti pela critica ;)

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  7. É verdade, há ainda muita gente que não descobriu SimpLe, o que é uma pena! Ele tem muito potencial mesmo! Nós também aqui no HHP só tomámos contacto com a mixtape dele este ano, mas ela já saiu em 2008. Ele merece, sem dúvida, mais reconhecimento! Mas acho que o tempo irá trazer-lhe muitas coisas boas.

    Mantém-te atento, Shady_10, que muito muito em breve haverá novidades sobre o SimpLe ;)

    Obrigado também pelo teu comentário! Volta sempre!

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