... O Hip Hop, que se deu a conhecer em Portugal sob os auspícios do breakdance. Recuando nas folhas do calendário, foi com o raiar dos primeiros anos da década de 80 que se terá mostrado em terras lusas. Remontando a essa época, portanto aos 80’s, o breakdance em Portugal aparenta ter surgido como uma espécie de moda celebrizada por alguns filmes e concursos de televisão dedicados a essa temática. Esgotado o período da descoberta e da adesão de vários jovens lusos ao breakdance, num período curto compreendido mais ou menos entre 1983 e 1985, conclui-se que se tratou efectivamente de uma moda que, como o próprio nome indica, foi passageira. Apesar da confirmação da sua presença em Portugal, existe uma certa relutância em determinar o breakdance como a primeira manifestação do Hip Hop em Portugal, visto que os breakdancers moviam-se não ao ritmo do rap mas sim ao som do break-beat. Em suma, o desgaste rápido a que foi sujeito o breakdance, nesse tempo, não lhe terá permitido atingir, por cá, o âmago daquilo que é o movimento Hip Hop, tendo-se ficado somente por uma mera manifestação isolada, que não englobou todas as outras vertentes da cultura Hip Hop. O breakdance apareceu e desapareceu com a mesma velocidade, sem possibilidades de deixar as sementes necessárias, nesta terra lusitana, para que o Hip Hop, enquanto movimento aglutinador de formas várias, começasse a brotar.
As primeiras colunas em Portugal, quer as das aparelhagens quer as dos corpos, a mexerem-se em virtude do ritmo e poesia, vulgo rap, foram invariavelmente alimentadas por cassetes importadas de artistas norte-americanos. Os nomes de Public Enemy ou Run DMC trouxeram a novidade a Portugal. Com eles, passou a existir quem pronunciasse a palavra “rap” entre nós, particularmente nos subúrbios de Lisboa. Exactamente, na zona geográfica do país onde, em finais dos anos 80, viviam mais imigrantes oriundos de África, em especial dos PALOP’s. O paralelismo que pode ser feito entre as situações dos negros da América e a dos negros em Portugal terá contribuído decisivamente para que o rap surgisse primeiro nesse ponto do país, nomeadamente no Miratejo. A discriminação, a exploração laboral, as miseráveis condições habitacionais, a deficiente integração em Portugal, a imputação do fenómeno crescente da violência juvenil, terá levado a que os jovens luso-africanos vissem no rap a forma ideal para contestarem as injustiças de que eram vítimas e a defenderem-se dos ataques de que eram alvo.
Se Guimarães é o berço da nacionalidade, foi no Miratejo que teve início a RAPública portuguesa. O Miratejo é a capital, o sítio emblemático, do rap nacional, tal como o Bronx o é nos Estados Unidos da América. A identificação com a mensagem dos rappers americanos fazia prever que os futuros rappers portugueses abordassem alguns dos tópicos desenvolvidos pelos naturais da América e encontrassem pontos comuns entre as suas vidas, apesar dos países serem diferentes e não se situarem sequer no mesmo continente. Era a prova de que o Hip Hip estava predestinado a ser universal.
Os rappers lusos não esmoreceram perante as dificuldades em serem ouvidos nem, ao depararem-se com os parcos recursos, perderam o sonho de tornar real esse fenómeno que vinha dos States. A improvisação não acontecia só nas rimas. Ela também se fazia sentir no suporte às palavras, em que preferencialmente se recorria ao beatboxing. O Hip Hop nascia em Portugal, sem uma data precisa mas com lugar determinado, o Miratejo; com gente que encontrou empatia e inspiração lá longe e pôs isso aqui em prática; gente que foi alimentado esse pouco até ele se formar numa base segura, de modo a que, mais tarde, se pudessem projectar outros sonhos.
O caminho prosseguiu. Arranjaram-se meios para se passar a mensagem, que se queria crua e forte para entrar de rompante nos ouvidos dos distraídos. O calão é introduzido nas letras de rap, palavras de origem africana também. A mensagem tinha de ser simples, directa, produzida de forma original. Sucede-se a difusão do rap através dos primeiros programas de rádio que cobriam o que os repórteres das ruas tinham para contar. Surgem os primeiros trabalhos: Da Weasel apresentam o EP “More Than 30 Motherfuckers” (1992) e General D, por seu turno, lança igualmente um EP intitulado “Portukkkal” (1994). As gargantas não mais se calariam.
Proveniente dos Estados Unidos da América, o rap inaugurou-se naturalmente com a língua inglesa. Em Portugal, inicialmente, esboçou-se o recurso a um certo hibridismo entre o inglês e o português nas letras de rap. Até se fizeram letras exclusivamente em inglês. Pese a estranheza inicial de se adaptar o rap à língua mãe, o rap em português teve o seu atestado de competência com um MC proveniente também das Américas, mas este vinha do Sul. Brasil, mais concretamente. Gabriel «O Pensador» invadiu Portugal com as suas rimas feitas em português brasileiro. O nosso país confrontava-se com uma mensagem perfeitamente credível, efectuada em pleno com o recurso à língua portuguesa. As rimas no idioma de Camões possuíam o mesmo poderio que as suas irmãs americanas e tinham a vantagem de serem perfeitamente inteligíveis por todos os portugueses. Quebravam-se barreiras, expandiam-se possibilidades. O movimento consolidava-se, ganhava cada vez mais adeptos, o assédio mediático aumentava.
Desta história, ainda fica bastante por contar. O HIPHOPulsação tentará aprofundar mais sobre esta matéria noutras oportunidades. Por agora, quisemos assinalar que desde os primórdios até hoje o Hip Hop foi-se estabelecendo, com um trajecto que teve os seus altos e baixos mas que contemporaneamente frutifica graças aos bravos que heroicamente o ousaram introduzir neste país e que se mantiveram irredutíveis na preservação da sua essência e existência. Para eles, a nossa vénia!
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