quarta-feira, 3 de junho de 2009

Entrevista a Supremo G a.k.a. Jimmy P

Supremo G a.k.a. Jimmy P acedeu ao nosso pedido e deu-nos a possibilidade de lhe colocarmos algumas questões. Não se escapulindo a nenhuma pergunta, Jimmy revelou-se na entrevista tão hábil como a fazer rimas. Partilhou connosco alguns aspectos da sua vida, traçou objectivos e vincou que só editará um álbum a solo quando se sentir completamente apto. Da Margem Sul a França, passando pelo Porto e Angola, Jimmy P palmilha no rap lusófono um percurso que deseja que se torne marcante. Ao talento, junta-se a sinceridade.

1- A primeira pergunta é sempre a mais fácil que fazemos. Portanto, a fim de entendermos se somos bons ou maus na arte de persuadir, diz-nos: a partir do momento em que viste o nosso pedido, quanto tempo é que demoraste a aceitar a entrevista (risos)?

No vosso caso, respondi imediatamente. Às vezes demoro um pouco a responder porque não vou muitas vezes ao space. Por acaso, tiveram sorte!! Apanharam-me num bom dia (risos).

2- Nasceste na Margem Sul, estiveste uma década em França, antes do Porto te acolher e testemunhar os teus primeiros passos como MC. Qual destas zonas pode reclamar para si a maior quota-parte de importância na tua ligação com o Hip Hop?

Mas que bela pergunta!! Apesar de me sentir intimamente ligado a todas as regiões mencionadas, o tempo que vivi em França moldou definitivamente a minha maneira de estar e o meu estado de espírito relativamente ao Rap. No que diz respeito às minhas preferências de Rap, quase tudo que oiço é francês. Oiço muito pouco Rap Americano. Mas independentemente disso, sinto uma ligação muito forte à cidade do Porto. Amo esta cidade! Também tem um peso importante naquilo que faço. Quanto à Margem Sul, e especificamente o Barreiro, tem um cantinho especial cá dentro por motivos óbvios. Até à data presente só dei um concerto na Margem Sul e foi dos sítios onde fui melhor recebido.

3- Plantaste a semente da tua carreira no Hip Hop nacional com algumas participações em álbuns alheios mas grande parte da tua projecção deu-se com o projecto Crewcial. Todavia, nos últimos tempos não temos ouvido falar muito do grupo... E Afroclick, como está?

Infelizmente (ou felizmente), os meus parceiros foram viver para Angola. Considerando que a oferta de emprego para pessoas formadas cá em Portugal é escassa, tanto o Diggy como o P acabaram por ir para lá. Quanto aos restantes membros do colectivo Afroclick, a grande maioria acabou por ir também embora. No fundo, sempre foi esse o nosso desejo, acabarmos os nossos cursos e voltar à nossa terra. Como tal, fiquei eu por cá com mais alguns tropas e dei seguimento a um projecto que começamos juntos: “Ilegal Promo”.

4- Deves ter consciência de que quem aprecia a tua música há muito que anseia marcar no calendário o dia do lançamento do teu álbum a solo. Ainda teremos que tomar medicamentos para controlar a ansiedade durante muito tempo? O que podemos esperar desse registo discográfico?

(risos) Eu tenho consciência que há pessoas que estão à espera há algum tempo. Costumo receber mensagens a perguntar pelo álbum com alguma frequência. Já tive o meu álbum pronto e conforme tenho dito às pessoas, senti que ainda não estava na altura para lançar. Simplesmente porque o produto final não me agradava. Sabem, não tenho pressa nenhuma. Confesso que quero lançar um álbum, mas não pretendo que seja mais um álbum que fica a apanhar pó nas prateleiras das Fnacs e afins. Quero reunir as condições necessárias para que o meu trabalho tenha um impacto positivo no público mas, acima de tudo, quero que traga um contributo positivo ao panorama da musica lusófona. Não quero que seja "apenas" mais um álbum de Rap.

5- Há uns tempos, fomos presenteados com a “Ilegal Promo”. Que balanço fazes desta “promoção ilegal” do rap que, diga-se, disseminou-se por vários pontos de Portugal?

Honestamente, o feedback foi mesmo muito positivo. Eu não estava cá quando o trabalho ficou disponível para download. O que posso dizer é o seguinte: tendo em conta que não fizemos tudo que era possível em termos de promoção (fizemos apenas o básico), no final da segunda semana tínhamos cerca de 3.500 downloads. O pessoal passou a palavra e a cena naturalmente chegou aos ouvidos das pessoas. Quando voltei para Portugal, fui ao Algarve gravar uma cena com o Realpunch e fiquei surpreendido ao ver que em algumas zonas havia pessoas com sons da Mixtape a tocar nos telemóveis. Não esperava mesmo. Por outro lado, permitiu-me conhecer e relacionar-me com MC's cujo Rap apreciava e com quem mantenho o contacto até hoje. Acho que dentro do que era possível fazer, tendo em conta que tudo é feito às nossas custas, o balanço é extremamente positivo para todos.

6- Na tua opinião, que prós e contras vislumbras no lançamento de uma mixtape? Há actualmente, dadas as vicissitudes do mercado musical, mais vantagem em se lançar uma mixtape em detrimento de um álbum?

Bom, a meu ver, as mixtapes também são trabalhos discográficos, logo, devem ser encaradas com a mesma seriedade que se encara um álbum porque, bem ou mal, é o teu nome que vai estar associado a esse trabalho. Acredito que é uma maneira saudável de trabalhar, isto é, para os artistas se darem a conhecer. Contudo, conforme disse há pouco, tem de haver seriedade naquilo que se faz. Normalmente oiço quase tudo que se faz cá em Portugal em termos de Rap e tenho ouvido muitas mixtapes que denotam muito pouco cuidado, seriedade e profissionalismo. Quanto ao resto, parece-me que depende muito das expectativas de cada um. Vejo o álbum como algo muito pessoal, algo muito sério. Não acho que haja mais vantagens em lançar um ou outro trabalho pois acredito que álbuns e mixtapes servem propósitos diferentes.

7- Em virtude das tuas ligações a África, é natural que a música desse continente te inspire – particularmente a música angolana. Ultimamente, têm chegado aos ouvidos dos portugueses vários nomes de rappers dos países lusófonos. Sentes que esta injecção de rap da lusofonia é importante e suficiente aqui em Portugal ou deveriam todos os países lusófonos aprofundar mais esta irmandade?

Parece-me que esta "injecção", conforme lhe chamam, é extremamente salutar para todos nós. Nesta era global, não podemos viver fechados sobre nós próprios. Há que tirar proveito daquilo que os outros nos trazem de bom. Para mim, a música, e neste caso o Rap, é partilha, é o quebrar de fronteiras e acho que é isso que estamos a começar a fazer. Só temos a ganhar em ouvir artistas de outros países! Embora algumas pessoas (os ditos puritanos) queiram preservar o estado "puro" do Rap, sem os estrangeirismos, sem influências de fora. O panorama musical mostra precisamente o contrário: o Rap lusófono é extremamente heterogéneo, isto porque se alimenta de realidades, influências e vivências distintas. Devemos cultivar essa irmandade porque só temos a ganhar com isso.

8- Inseres-te numa geração de MC’s da Invicta que tem despertado um crescente optimismo e entusiasmo nos defensores do rap nacional e nortenho, em particular. Como vês, estando por dentro da comunidade, a evolução do rap no norte do país?

Pelo que tenho observado, aqui no Norte há muita gente com talento. Lembro-me que há uns anos era muito difícil alguém impor-se se não tivesse aquela sonoridade característica do Rap nortenho. Houve um tempo em que todos os MCs da New School tinham como referências os mesmos MCs e, em consequência disso, muitos acabavam por ter sonoridades parecidas. Hoje, o contexto mudou. Há MCs que apareceram com estilos muito próprios, formas de pensar e de abordar o Rap muito próprias e, consequentemente, trouxeram um Rap diferente daquilo que as pessoas estão habituadas a ouvir. Desta nova geração de MCs, destaco alguns artistas como Deau, Enigma, Caixa Toráxica, Capicua, M7, Jêpê, Bordaz, Contrabando 88 ...

9- “O Deau é, no momento, um dos melhores MC’s de Portugal”. Esta é uma afirmação tua. Privando e acompanhando o desenvolvimento de Deau, até onde poderá ele chegar no rap? (Era inevitável perguntarmos-te sobre Deau!)

(risos) Ele é, sem dúvida, dos MCs mais talentosos que eu ouvi até hoje. A meu ver, ele reúne todas as características que um MC deve ter: escreve muito bem, tem grande flow, tem musicalidade e sabe envolver o ouvinte com palavras. É importante realçar um facto: a maior parte dos MCs só consegue ter o impacto que ele teve depois de dar uma considerável parte do seu trabalho a conhecer. Ele apareceu com um som e deixou todos de boca aberta. Acho que só isso já denota que ele é um artista muito acima da média. Considerando que tenho vindo a acompanhar o trabalho dele, posso afirmar que o Deau vai ser uma das maiores referências do Rap Lusófono. Que ninguém duvide disso!

10- Para finalizarmos, o que é que te apetece destacar positiva e negativamente no Hip Hop português actual?

Positivo: a atitude empreendedora que muitos artistas, e não só, estão a ter em prol do crescimento do Hiphop. Tenho assistido à criação de Mixtapes, Labels independentes, fóruns, blogs... Tudo isto permite manter a chama acesa. Keep it up!!

Negativo: A falta de cultura que existe no seio do Rap. Muita gente resume o Hiphop ao Rap quando há tanto para descobrir. Portugal deve ser um dos únicos países onde as vertentes do Hiphop não agem de forma articulada, funcionam independentemente umas das outras.

Posto isto, quero mandar um grande props pela iniciativa!!! Continuem a fazer um bom trabalho. Um grande abraço.

Obrigado pela entrevista, Jimmy!

Por Sempei e Druco
Foto generosamente cedida pelo artista

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