segunda-feira, 8 de junho de 2009

Se eles são incendiários... (Parte II)


Lume Brando

Nerve não conseguiu criar um tema divertido e simultaneamente corrosivo e original como já fez anteriormente. Na mixtape, nem sempre se entenderam as palavras de Nerve talvez devido a alguma falha por parte de quem tratou as questões de ordem técnica da gravação. Assim, a mensagem de Nerve ficou um tanto ou quanto nublada. Todos têm as suas canções menos boas, mas estou certo de que esta constituirá a excepção à regra, já que Nerve é um mc de inegável valor. Um dia menos bom acontece a todos.

Sir Scratch deu início ao incêndio. Na faixa de abertura, mostrou-se em boa forma, no seguimento da tarimba alcançada com o seu álbum. Nota-se a garra sempre em cada palavra jogada pela boca fora. O à-vontade a rimar em cima dos instrumentais é uma das maiores armas de Sir Scratch. A ironia e os lampejos vindos directamente do ego são uma constante na sua carreira e aqui continuam a ser sentidos. Observa-se ainda um Scratch cáustico com quem o julga com a “mania”, alvitrando que o êxito dele se resume a um par de canções. Porém, o mc não conseguiu manter a bitola elevada nas restantes canções em que participou. A colaboração com Lancelot, Bob e God G retundou em rimas fracas e desconexas, longe da consistência que nos deu a ouvir no seu primeiro álbum. A sua intervenção com NGA passou completamente despercebida. Por vezes, Sir Scratch torna-se tão abstracto que qualquer que seja a sua intenção ela acaba diluída precisamente nessa confusão de quadro de Pollock. Pelo contrário, quando o mc imprime uma maior objectividade, os seus raps adquirem logo uma maior dimensão. Completamente ao lado do alvo foram também as rimas no tema com Blasph e Pródigo. Se estes últimos elaboraram um conceito para a feitura da canção, Scratch irrompeu com rimas totalmente descabidas, fora do contexto alinhavado pelos outros dois rappers.

NGA é um workaholic no que ao rap diz respeito. Só este facto já é extremamente positivo para o rapper da Linha de Sintra. Mas há mais: NGA imprimiu bastante força às suas rimas, que funcionam sempre ou quase sempre como reflexo da sua vida. O momento mais marcante da sua interpretação é quando demonstra o seu respeito pelo rap dos antigos. NGA transmite-nos tal transparência nas suas palavras que ninguém lhe pode levar a mal que afirme que o rapper favorito dele é o que ele vê no espelho.

God G é um jovem mc com potencial que tem vindo a fazer algum buzz. Na mixtape, teve uma prestação bastante razoável, antevendo-se-lhe ainda uma boa margem de progressão para o seu rap. Estaremos atentos ao seu trabalho futuro, com certeza.

As primeiras palavras de Bob da Rage Sense nesta mixtape são duras e provocam estupefacção: “Mato o teu pequeno mito”. Visado à parte, Bob mostra-se mais agressivo do que nunca. Investe contra quem maltrata o Hip Hop, pois esses despojando-no das suas raízes e atribuem-lhe actualmente uma conotação marcadamente sexual. Por entre palavras ácidas, Bob radicaliza o seu discurso, extrapolando que a única via para a saúde do rap é acabar com um “tu” que vagabundeia na sua boca. O mc que encantou Portugal com temas marcantes, andou totalmente arredado desses momentos de glória nesta mixtape. A sua participação com Zuka é horrível. Bob entra de mal a pior na faixa, apregoando baboseiras impensáveis de se ouvir há uns tempos. Curiosamente, na colaboração com Raf Tag não se deixou influenciar pelo acompanhamento desinspiradíssimo de Raf Tag e esteve num nível aceitável. A participação de Bob nesta mixtape podia resumir-se a uma frase que ele debita com Scratch, Lancelot e God G: “complexo como explicar a cor a um cego”. De facto, é complexo entender como Bob regrediu tanto! Quando já se pensava que não haveríamos de escutar o rapper de “M.P.L.A.” eis que o encontramos junto a Sagas. Bob apetrechou-se duma mensagem positiva e apresentou-se poético, profundo, rimando com alma e sem raiva e amargura. Soube a muito pouco sentir o gosto do Bob que nos habituou a grandes interpretações.

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